II – A TRÁGICA ESCOLHA DE CAIM E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS
- Deus foi ao encontro de Caim e mostrou, assim, que não havia previamente rejeitado a este e escolhido “a priori” Abel para a salvação, mas, mesmo diante da reação nefasta de Caim, desde a apresentação de sua oferta, o que se confirmou com sua forte ira e o descair de seu semblante, não deixou de mostrar Seu desejo de que Caim também fosse aceito, bastando, para tanto, que seguisse o exemplo de seu irmão e “bem fizesse”.
- Deus foi ao encontro de Caim e mostrou, assim, que não havia previamente rejeitado a este e escolhido “a priori” Abel para a salvação, mas, mesmo diante da reação nefasta de Caim, desde a apresentação de sua oferta, o que se confirmou com sua forte ira e o descair de seu semblante, não deixou de mostrar Seu desejo de que Caim também fosse aceito, bastando, para tanto, que seguisse o exemplo de seu irmão e “bem fizesse”.
- No entanto, Caim, em vez de aceitar esta proposta divina, fazendo uso de seu livre-arbítrio, deliberou não seguir os passos de seu irmão, mas, sim, eliminá-lo, fazê-lo desaparecer da face da Terra, crendo que, não havendo outra alternativa, o Senhor obrigado seria a aceitar a sua oferta, já que Abel não o poderia mais fazer, uma vez morto.
- Caim se recusava a se submeter ao Senhor, Caim prosseguia pensando a partir de si mesmo e não reconhecia a Deus como o Senhor de todas as coisas, como aquele que deveria ser obedecido. Bem ao contrário, Caim queria continuar fazendo a sua própria vontade, vivendo do modo que havia escolhido, achando que Deus era obrigado a aceitá-lo como ele era, “sem tirar nem pôr”.
- É por isso que as Escrituras dizem que Caim era do maligno, que é o título de nossa lição (I Jo.3:12), porque fez a opção por desobedecer a Deus, por fazer a sua própria vontade, o que, na verdade, representa fazer a vontade da carne, ser escravo do pecado, não fazer o que é correto e indicado assim por Deus na consciência, mas o que é mau, o que é contrário à vontade do Senhor (Cf. Rm.7:14-24).
- Caim manteve a sua forte ira e, em vez de procurar agradar a Deus, procurou agradar a si próprio. Esta forte ira, uma revolta contra Deus, voltou-se contra o próximo, que é imagem e semelhança de Deus, contra o seu irmão Abel, que fora seu companheiro na adoração. Caim, deixando que o mal o dominasse, arquiteta matar seu irmão e o chama para o campo, num lugar ermo, onde o matou. Caim fez tudo premeditadamente, de “caso pensado”, entendendo assim poder livrar-se daquele que foi tido como o motivo da sua reprovação diante de Deus.
- As pessoas malignas são desta natureza. Não só são insubmissas a Deus como também, por se considerarem o centro do universo, tanto que não levam em conta nem mesmo o Senhor, também não dão valor algum ao próximo, odiando-o e, se possível, eliminando-o.
- Caim usou de astúcia para conseguir levar seu irmão ao lugar onde o matou, como também se tornou um homicida. O homem, quando escravo do pecado, acaba por assumir as características do diabo, que é o “príncipe deste século”, aquele que domina o mundo, entendido este não como o mundo físico, mas, sim, como o mundo espiritual surgido da entrada do pecado, mundo que está imerso no maligno (I Jo.5:19), mundo que não possui coisa alguma da parte de Deus. O diabo é astuto (Gn.3:1) e homicida (Jo.8:44). Caim, como verdadeiro filho do diabo (I Jo.3:8,10), apresentava as mesmas características de seu pai.
- Caim fez tudo de forma planejada, achando que ninguém descobriria que havia matado seu irmão. No entanto, Deus tudo viu e, em mais um gesto de misericórdia, perguntou a Caim onde estava seu irmão Abel. Com esta pergunta, o Senhor mostra, mais uma vez, que sempre dá o direito de defesa ao homem, querendo, com isto, oportunizar a confissão e o arrependimento, a fim de que se possa alcançar a misericórdia (Pv.28:13).
- Caim, no entanto, não aproveitou mais esta oportunidade de arrependimento que lhe foi feita, mas, ao contrário, mentiu a Deus, dizendo não saber onde estava Abel e ainda indagando ao Senhor se, porventura, era ele “guardador de seu irmão” (Gn.4:10).
- Caim revela-se como um verdadeiro homem do maligno. Refletindo mais uma característica de um verdadeiro “filho do diabo”, mente para o Senhor. O diabo é pai da mentira e todos quantos amam e cometem a mentira se fazem filhos do diabo, confirmam estar escravizados pelo pecado. Astuto, homicida e mentiroso, assim se apresenta Caim, a confirmar que ele era do maligno, que havia escolhido o caminho da perdição.
- No entanto, ao dizer que não era guardador do seu irmão, Caim revela, também, toda a sua egocentricidade, todo o seu egoísmo, toda a sua soberba, todo o seu individualismo. Caim vivia em função de si mesmo, a ponto de, inclusive, desconsiderar a própria soberania divina e, por isso, achava, do fundo de seu coração, que não tinha qualquer obrigação diante do próximo. Caim vivia não só como se Deus não existisse, como também vivia como se o próximo não existisse, pois quem não ama a Deus, jamais amará o próximo e vice-versa (Cf. I Jo.3:10; 4:20).
- Todo ser humano deve lembrar que não pode viver sozinho, que tem de conviver e, por isso mesmo, tem de saber que todo ser humano é seu companheiro, é alguém que deve ser levado em conta, considerado, pois é tão imagem e semelhança de Deus quanto ele próprio e que necessitamos uns dos outros para que possamos chegar até a eterna convivência com Deus. Se somos incapazes de conviver prazerosa e saudavelmente com os demais homens, que são imagem e semelhança de Deus, como haveremos de pretender conviver para sempre deste mesmo modo com o próprio Deus?
OBS: “…O Guarda de Teu Irmão (Kol Israel Chaverim). Todos em Israel são companheiros. Assim dizem os credos da solidariedade judaica de grupo que foram enunciados com convicção profunda pelo povo judeu durante dois mil anos. Daí advém a obrigação fundamental de cada irmão proteger e cuidar do bem-estar do outro. Insistia Maimônides [filósofo judeu da Idade Média, grande comentarista da lei – observação nossa]; ‘Um homem deve falar elogiando seu vizinho e cuidar das posses dele como cuida das suas próprias e almeja a sua própria honra’. Contrariamente, acrescentava ele: ’Quem quer que se deleite com a vergonha de seu semelhante não terá sua parte no Mundo-do-Além’…” (AUSUBEL, Nathan. Valores éticos judaicos. In: A JUDAICA, v.6, p.899)
OBS: “…O Guarda de Teu Irmão (Kol Israel Chaverim). Todos em Israel são companheiros. Assim dizem os credos da solidariedade judaica de grupo que foram enunciados com convicção profunda pelo povo judeu durante dois mil anos. Daí advém a obrigação fundamental de cada irmão proteger e cuidar do bem-estar do outro. Insistia Maimônides [filósofo judeu da Idade Média, grande comentarista da lei – observação nossa]; ‘Um homem deve falar elogiando seu vizinho e cuidar das posses dele como cuida das suas próprias e almeja a sua própria honra’. Contrariamente, acrescentava ele: ’Quem quer que se deleite com a vergonha de seu semelhante não terá sua parte no Mundo-do-Além’…” (AUSUBEL, Nathan. Valores éticos judaicos. In: A JUDAICA, v.6, p.899)
- Caim não demonstrou qualquer arrependimento, não confessou a sua prática e, ainda mais, considerou que obrigação alguma tinha com relação ao seu irmão, como se fosse o centro do mundo, o centro do universo, como se tudo girasse em torno dele.
- Este comportamento individualista é a tônica dos nossos dias. Paulo já afirmara a Timóteo que, nos últimos dias, nos tempos trabalhosos, uma marca da humanidade seria o individualismo, o amor de si mesmo (II Tm.3:1-4). Este egoísmo faz com que os homens não levem em conta o outro em suas vidas e, quando chegam a considerar a existência do outro, fazem-no apenas para que este sirva de instrumento para a satisfação de seus próprios interesses.
- Diante desta atitude soberba e individualista de Caim, o Senhor, então, revela que tudo sabia e que o crime cometido por Caim não ficara encoberto. O Senhor diz que o sangue de Abel clamava ao Senhor desde a Terra, a clamar por justiça (Gn.4:10), circunstância que é repetida pelo Senhor Jesus em Lc.11:49-51).
- Esta afirmação divina permite-nos, por primeiro, observar que a justiça cabe, em última análise, a Deus. Deus é o vingador, a vingança pertence a Deus e com exclusividade (Dt.32:35; Sl.94:1; Rm.12:19; Hb.10:30). Neste período da história da humanidade, ainda não havia sequer sido dada a oportunidade de o homem exercer qualquer administração da justiça, de modo que, com muito maior razão, está o Senhor a dizer que o sangue de Abel clamava por vingança desde a Terra.
- Por isso, devemos observar que, em matéria de homicídio, desde a sua primeira ocorrência na história da humanidade, não podemos querer matar o criminoso com um novo homicídio. A vida pertence a Deus, pois foi Ele quem a deu (I Sm.1:6), de sorte que não podemos querer nos pôr no lugar de Deus e, deste modo, ceifar a vida do homicida, pois estaríamos nos nivelando a ele.
- Por segundo, vemos que nada ficará impune sobre a face da Terra. O sangue de Abel clamou por vingança desde a Terra e o Senhor, que tem o absoluto controle da situação, o fará. Não pensemos, pois, que Deus não está a contemplar todas as injustiças da Terra nem tampouco permitamos que a existência da iniquidade venha a nos fazer perder a fé em Deus ou a duvidar de que Ele seja participante da criação e não um Deus que abandonou a criação à própria sorte. Deus há de julgar tudo quanto de errado aconteceu e, por ocasião do juízo final (Ap.20:11-15), teremos a oportunidade de observar como Deus o fez, obra que será consumada naquela ocasião. Tenhamos, assim, a mesma fé que teve Abraão, que via em Deus o juiz de toda a Terra (Gn.18:25).
- Por terceiro, podemos observar que quem está em comunhão com Deus nesta terra, com era o caso de Abel, não cessa de ter tal comunhão mesmo depois da morte física. O sangue de Abel clamou por vingança, a vida de Abel exigia de Deus uma reparação diante da injustiça cometida, porque Abel agradara a Deus, vivera pela fé, tinha um testemunho que, interrompido drasticamente pelo seu assassinato, não deixou de vindicar, diante do Senhor, a justiça, o que, segundo as Escrituras Sagradas, não se deixou apenas com Abel, mas se dá com todos os justos que forem martirizados por causa da sua fé em Deus, como nos deixa claro não somente o que nos disse o Senhor Jesus (Lc.11:49-51) mas no próprio juízo que o Senhor lançará sobre a humanidade por ocasião da Grande Tribulação, a segunda taça da ira de Deus (Ap.16:3-6).
- Deus, então, lança sobre Caim uma maldição, desde a terra, que havia aberto a sua boca para receber o sangue de Abel. Segundo esta maldição, a terra já não daria mais a sua força quando ele lavrasse a terra e vagabundo seria na terra (Gn.4:11,12).
- Que seria esta maldição imposta a Caim? Qual o seu verdadeiro sentido? É mais uma questão em que se debruçam os estudiosos das Escrituras Sagradas, havendo várias interpretações a respeito.
- O Senhor, com esta maldição, anulava a condição de agricultor de Caim. Ele que havia querido ofertar do fruto da terra e como que obrigando a Deus aceitar qualquer oferta, nem sequer poderia mais lavrar a terra, pois o Senhor não mais abençoaria o cultivo, que seria sempre um fracasso. Caim passaria, então, a ser um nômade, alguém que não teria, como todo agricultor, um lar certo e determinado, mas que seria um andarilho sobre a face da Terra.
- Aquilo de que Caim se orgulhava em fazer, que o fazia pensar ser senhor de si mesmo, foi retirado pelo Senhor, para mostrar a ele que tudo devemos a Deus e que sem Ele, nada podemos fazer (Cf. Jo.15:5). Pouco importa se o que Caim fazia era uma determinação divina aos primeiros pais (Cf. Gn.4:13), pois, se não somos obedientes ao Senhor, não devemos achar que estamos “de algum modo” agradando a Deus.
- Caim deixou de ter rumo certo, de ter um norte na sua vida terrena. É exatamente esta a situação daqueles que não atendem ao chamado divino para a salvação. Passou a viver errantes sobre a face da Terra, sem direção, sem qualquer guia. Nada mais são que joguetes na mão do inimigo de nossas almas, andando segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que opera nos filhos da desobediência, nos desejos da carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos, sendo, por natureza, filhos da ira (Cf. Ef.2:2,3).
- Quando, porém, nos voltamos para Deus crendo em Cristo Jesus como nosso único e suficiente Senhor e Salvador, passamos a ter uma direção, a ter um norte, pois recebemos o Espírito Santo, que nos passa a guiar em toda a verdade (Jo.14:16,17; 16:13,14).
- Ante esta sentença divina, Caim, então, entende que a sua maldade era maior que a que poderia ser perdoada (Gn.4:13), reafirmando, assim, o seu sentimento manifestado pelo “descair de seu semblante”, ou seja, a sua total perda de esperança com relação a Deus ou ao estabelecimento de um relacionamento com Deus, uma eliminação da figura de Deus em sua mente.
- Diante da sentença divina, Caim verifica que também seria morto, antevendo a própria justiça divina, dizendo que, como estaria a vaguear pela Terra desde então, sendo fugitivo e vagabundo, quem o achasse, haveria de mata-lo (Gn.4:14). Era a mente desesperada que não via qualquer outra coisa senão a manifestação da vingança divina.
- Por isso, não podemos jamais nos guiar pela lógica humana, pois, apesar de o Senhor nos ter feito seres inteligentes e pensantes, não temos condição alguma de conhecer os desígnios divinos, não podemos racionalizar e reduzir aos parâmetros humanos o que Deus pensa e o que Deus há de fazer. Os caminhos de Deus são muito mais altos que os caminhos do homem, como também os Seus pensamentos (Is.55:9).
- Todavia, o Senhor mostra como a Sua graça é maior do que qualquer pecado e como não podemos jamais perder a esperança de alcançar o perdão divino. Contrariando as expectativas de Caim, Deus diz que estava a amaldiçoar sete vezes mais quem matasse Caim e pôs em Caim um sinal, para que ninguém o ferisse quando o achasse (Gn.4:15).
- Duas coisas aprendemos com este texto. Por primeiro, que Deus, mesmo diante do horrendo crime de Caim, continuou a mostrar que o amava e que havia ainda chance para ele. Com efeito, ao dizer que quem matasse Caim seria sete vezes mais maldito que o próprio Caim, o Senhor estava a dizer a Caim que ainda o amava e o considerava e queria a sua salvação, apesar de ser ele do maligno. O mesmo repúdio que causara a morte de Abel também se manifestaria em eventual assassinato de Caim. Deus não faz acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:34) e não tem prazer algum na morte do ímpio (Ez.33:11), desejando antes a sua conversão (Ez.18:23). Tem sido este o nosso desejo, amados irmãos? Se somos filhos de Deus, não podemos ter outro sentimento senão este!
- Por segundo, vemos que o sinal dado por Deus a Caim o impedia de ser morto, dando-lhe, assim, mais uma oportunidade para que se arrependesse. Deus garantia a Caim uma sobrevida sobre a face da Terra, sobrevida que se tornava uma chance a mais para que se arrependesse dos seus pecados e pedisse perdão ao Senhor, Senhor que já havia lhe mostrado Seu vívido interesse em perdoá-lo e construir com ele um relacionamento assim como tinha ocorrido com Abel.
- Muito se discute sobre qual seria este “sinal de Caim”. Ao contrário da maldição, este sinal é algo benigno, é a manifestação da graça e da misericórdia do Senhor para com o primeiro homicida. Não podemos especular o que seja, pois, mais uma vez dizemos, onde a Bíblia se cala, calados devemos também nos manter.
- O que é certo é que este “sinal de Caim” continua sendo posto sobre todos os pecadores, dando-lhes um real oportunidade para que, enquanto peregrinam por esta terra, se arrependam de seus pecados, confessem-nos e alcancem a misericórdia divina. É a marca da “paciência de Deus” (Rm.3:25; 9:22), que, se aproveitada, trar-nos-á o perdão dos nossos pecados e, deste modo, nos permitirá viver com Deus para todo o sempre. A propósito, por Deus ser paciente, devemos também sê-lo, embora este seja um outro assunto que não o da presente aula. Por guardarmos a palavra da paciência divina é que escaparemos do juízo da Grande Tribulação (Ap.3:10).
- Após mais esta demonstração de amor de Deus para com Caim, este homem, provando que era do maligno, rejeitou, ainda esta vez, a oferta divina. Diz-nos o texto que Caim “saiu de diante da face do Senhor”, indo habitar na terra de Node (Gn.4:16). Não se trata aqui apenas de uma afirmação a ser interpretada fisicamente, como um deslocamento de Caim, mas algo muito mais profundo: Caim não mais quis ter contato com Deus, não mais O buscou, não se interessou na oferta de amor apresentada pelo Senhor. Iniciava-se, assim, uma civilização totalmente alheia a Deus, uma vida deliberada de total desconsideração a Deus, uma vida terrena como se Deus não existisse, civilização esta que haveremos de estudar amiúde na própria lição.